Gesto de Crueldade
Eu me lembro quando era criança
Lá no interior de Minas Gerais
Papai tinha uma junta de boi
Que na lida era manso demais
No arado tombando a terra
Esses bois puxavam iguais
Não precisava nem candeeiro
Só o grito do seu carreiro
Os bois entendiam os sinais
Chamou lá na porteira bem cedo
Era o malvado de um comprador
Papai teve que entregar os bois
Pra cumprir o que ele tratou
Quando ouvi, o negócio tá feito
Na garganta meu choro entalou
E tocaram os bois lá pra estrada
Porque a carne já estava tratada
Foi direto para o matador
A noitinha já estava chegando
Quando lá na porteira berrou
Papai disse com a voz embargada
Vai lá ver, é um dos bois que voltou
Fui correndo abrir a porteira
Em passos lentos pro curral entrou
Parecia que o boi quis dizer
Escapei para não morrer
Nas mãos daquele malfeitor
No outro dia de madrugadinha
Novamente o açougueiro voltou
Vim buscar um boi velho fujão
Que da morte ontem ele escapou
Com a laçada certeira nos chifres
E na chincha da sela amarrou
O coitado quase sem destreza
E tentando a sua defesa
Ali mesmo onde estava deitou
O malvado pulou do cavalo
Resmungando sozinho falou
De hoje você não me escapa
O fim da sua vida chegou
Aqui mesmo eu tiro seu couro
Sem piedade o boi sacrificou
Esse é o fim de uma triste história
Tá gravado em minha memória
Que o tempo ainda não apagou