Conversa de Passageiro
Certa feita viajei com destino ao interior
E no ônibus me sentei bem pertinho de um doutor
E o homem conversava, as coisas me perguntava
Pois apesar do estudo e sua sabedoria
Quase tudo ele sabia mais não sabia de tudo.
Por exemplo me perguntou, com um gesto de ironia:
-Quem foi que me ensinou a escrever poesia?
Eu lhe respondi:
--Patrão, não tenho certeza não
Mas pra esses versos meus que tem um sabor silvestre
Eu só tive um grande mestre a quem conheço por Deus.
Cortava o carro o asfalto, e a gente dialogando
Toda viagem é um salto quando se vai conversando.
Contemplávamos a paisagem que margeava a rodagem
Um quadro bem nordestino
Cavalos e bois que comiam, casebres que pareciam brincadeiras de menino.
Casebres rústicos de palha semeados pela serra
Feitos sem vigas sem calhas, os pisos feitos de terra
Portas que nunca trincavam, guris raquíticos brincavam pelo terreiro da frente.
Vendo esse quadro o doutor falou assim:
Trovador, nessas casas moram gente?
Mora um povo semi-morto - eu lhe respondi no momento
De quem o nome “conforto” não tomou conhecimento
Em cada casinha destas, por mais pequena e modesta, tem 10 pessoas ou mais
Ali os filhos se somam, pois as mães não tomam anticoncepcionais.
E elas não tomam, não por não quererem tomar
Lhes falta orientação e dinheiro pra comprar
Mas necessitam de amor que é um dom do criador, fazer amor, quem não quis?
E assim a todos instantes vão produzindo imigrantes que iram ao sul do país.
As poltronas nesses ranchos, são alguns cepos de paus
Os guarda-roupas são ganchos, as camas quase giraus
E a alimentação, é um prato de feijão, um taco de rapadura
Batata doce também, cuscuz de milho, xerém, macaxeira e fava pura.
Meninos famintos, fracos, dado à limitada boia.
Os seus lençóis são de sacos o leito é uma tipoia.
Os seus brinquedos são ossos, caramujos e outros troços que eles acham pelo chão, na maior variedade
Pois brinquedos de verdade eles não possuem, não.
E os pais desses meninos? - me perguntou o doutor - são vadios peregrinos?
Eu lhe respondi:
Não senhor, são eles homens modestos, porém honrados e honestos que trabalham todo dia
Trabalham tanto aliás, que talvez trabalhem mais do que vossa senhoria
Só uma coisa é diferente, eles tem uns embaraços
Trabalha o senhor com a mente e eles trabalham com os braços
O senhor num gabinete que parece um palacete com todo luxo e requinte
Pobrezinhos que eles são, não ganham nem um milhão, ganha o senhor mais de vinte
Vive esse homem da terra, que não é dele, é alheia
Nessa luta quase guerra que é trabalhar de meia
Com a sua mão calejada, puxa o cabo da inchada que as suas forças consome
Para extrair do chão essa alimentação que o homem da praça come.
Ainda tinha um coisa pra dizer ao doutor, porém chegamos em sousa, cidade do interior
Eu precisava ficar, e ele tinha que passar pois ia pra o juazeiro
Tão logo me despedi, peguei a pena e escrevi:
Conversa de passageiro