Minha Vida/ Eu a Viola e Ela/ Pretinho Aleijado (pot-pourri)
Trago na lembrança quando era criança
Morava na roça gostava da troça
Do munjôlo d'água e da casa de tábua
Quando o Sol saia invernada eu subia
Pras vaca leiteira tocar na mangueira
Fui muleque sapeca levado
Da breca gostava da viola e ainda ia á escola
Eu ia todo dia numa égua tordilha
Com quinze ano de idade mudei pra cidade
Sai da escola era rapazola deixei de estuda
Fui caxeiro num bar
Trinta mil réis por mês pra servi os fregueis
Vendendo cachaça aturando ruaça
Pra mim só foi boa a minha patroa
Vivia amolado com meu ordenado
Trabalhei sete mês recebi só uma vez
Eu num via dinheiro entrei de pedreiro
Pra aprender oficio mas foi um suplício
Sol quente danado emborsando telhado
As cadeira duia eu me arrependia
Mais não tinha jeito era mete os peito
No duro enfrentei não me acostumei
Sou um pouco retaco meu fisico é fraco
Só fala no trabalho quase que me desmaio
Tive grande impulso com outro recurso
A viola é tão fácil é só mexer nos traço
Fazê modas boas quando o povo enjoa
Fazê modas dobradas e bem selecionada
Pras festa que for não passar calor
Evita de bebe pra voz num perde
Dinheiro no bolso vem com poco esforço
Nesse meu céu de anil divertindo o Brasil
Querido tião carreiro que você esteja num lugar olhando sempre
Pra todos os violeiros que gostam de suas musicas
Você sempre será um mestre
Por causa de você viola
Quem diz que me adora quer me abandonar
O ciúme vive a me dizer
Pra eu escolher com quem vou ficar
Gosto dela e vou sofrer muito
Mas este absurdo jamais eu aceito
Eu prefiro chorar o adeus
De quem me conheceu com a viola no peito
Viola eu me lembro ainda
Ela estava tão linda naquela janela
E você com seu ponteado tão apaixonado
Foi quem me deu ela
Por isso não vou abrir mão deste meu coração
Que ela quer lhe roubar
Mas se ela for mesmo embora
É com você viola que eu vou ficar
Viola estou muito triste
Mas a dor que existe você me consola
Em seu braço eu faço queixume do amor
Que o ciúme vai levar embora
E prevejo a qualquer momento
Este amor ciumento nos deixar para sempre
Mas que Deus la do céu lhe acompanhe
E deixe que eu ame a viola somente
Com mil e oitocentos bois
Eu saí de rancharia
Na praça de três lagoas
Cheguei no morrer do dia
O sino de uma igrejinha
Numa estranha melodia
Anunciava tristemente
A hora da ave Maria
Eu entrei igreja adentro
Pra fazer minha oração
Assisti um quadro triste
Que cortou meu coração
Um pretinho aleijado
Somente com uma das mãos
Puxava a corda do sino
Cantando triste canção
Ai ai
Aquela alma feliz
Era um espelho à muita gente
Que tendo tudo no mundo
Da vida vive descrente
Meu negro coração
Transformou-se de repente
Ao terminar minha prece
Era um homem diferente
Noutro dia com a boiada
Saí de madrugadinha
Muitas léguas de distância
Esta notícia me vinha
Um malvado desordeiro
Assaltou a igrejinha
E matou o aleijadinho
Pra roubar tudo o que tinha
Ai ai
O sino de três lagoas
Vivia silenciado
E eu com meu parabelo
Andava atrás do malvado
Voltando nesta cidade
Vi um povo assustado
Diz que o sino à meia-noite
Sozinho tinha tocado
Quando entrei na igrejinha
Uma voz pra mim, falou
Jogue fora esta arma
Não se torne um pecador
Tirar a vida de um cristão
Compete a nosso senhor
Conheci a voz do pretinho
O meu ódio se acabou
Ai ai