Ponte da Misarela
Levanta-se a mulher noite calada
Como se a manhã já estivesse a chegar
Vai a ver dos auxílios do azeite
Já tem mais de mil quebrantos p'ra rezar
Não se tem prenha por nada, não se alegra;
Já não sei que mais lhe eu faça p'ra a alegrar;
O diabo é que a barriga não lhe medra
De tão triste que ela anda, já se anda a desesperar
E quando vier a noite escura
Havemos de ir os dois à Misarela
Que o menino venha breve, são e salvo
E que ninguém tenha pragas p'ra lhe rogar
E que a desgraça não nos entre casa dentro:
Cruzes, credo, nem por nada!
E que se acabe o mal que nós temos passado
E que haja alguém que lá passe p'ró baptizar
E que o remédio seja santo
Quando formos à ponte da Misarela
Mal a noite caia pelos penedos
Vamos lá mas não o contes a ninguém!
Havemos de esperar um viajeiro
Que nos baptize o menino ainda na mãe;
Se for moça há-de chamar-se Senhorinha
Se for homem o nome há-de ser Gervaz
Tantas vezes me endoidei no corpo dela
Hoje vou à Misarela, já nem hei-de olhar p'ra trás!