Pêlo Branco
Eu não tenho tempo p'ra conversa
Tira a roupa e deita-te no chão
Não perguntes nada
Fica assim calada
Amarra os pés, que eu trato das mãos
Olho-me no espelho embaciado
Entre a bruma do ar condensado
Ouço um gemido
Cruzo a mão pelo cabelo
O reflexo não é meu amigo
Um pelo branco no bigode é novidade
Assim não há como fugir à velha idade
Ao menos fico contemplando o teu decote
Como se fosse o último brinde do ano
O passado agora está aqui tão presente
É esta náusea que me invade o pensamento
Como uma nau que ruma pelo mar doente
Sem timoneiro que se agarre ao leme errante
Volto à minha vida mais terrena
A um ritmo pouco natural
Nada faz sentido
Sinto-me perdido
Desamarro os pés e as tuas mãos
As memórias vão-se esfumando
A um ritmo lento, duro e brando
O quotidiano faz e acontece
Tece uma trama que me trama
E assim a minha vida vai-se nivelando
Momentos doces alternados com amargos
Nas partes doces vou-me lambuzando
Nas mais amargas travo a dor com o decote
Um pelo branco no bigode é novidade
Assim não há como fugir à velha idade
Ao menos fico contemplando esse decote
Como se fosse o último brinde do ano