Mateando Com Sepé

Odilon Ramos

Mateando do fim do dia
Não vi o tempo passar
Não vi a noite avançar
Nem as estrelas surgindo

De relance olhei pro céu
Parecia um poncho azul
E vi o cruzeiro do sul
No alto treme luzindo

Contemplativo em silêncio
Aquela visão me trouxe
O meu passado tão doce
E o meu pai, meu velho amigo

Que contava um causo antigo
De olhos fixos no braseiro
Me explicando que o cruzeiro
Era marca de um xiru
O índio Sepé Tiarajú
Um Guarani, um guerreiro

E contava que este índio
Tinha na testa uma cruz
Que irradiava uma luz
Maior que a luz de um candeeiro

E esse líder missioneiro
Ao morrer num escarcéu
Levou sua cruz pro céu
E assim surgiu o cruzeiro

Deitei pensando e dormi
E dormindo tive um sonho
Sepé Tiarajú risonho
Me surgiu em carne e osso

Reconheci o índio moço
Por sua auréola formosa
Natesta a cruz luminosa
E outra pendente ao pescoço

Que sonho amigos, que sonho
Que lembrança tão ditosa
Empessamos uma prosa
Que na memória me fica

Contou-me a experiência rica
Da sua Missões querida
Por quem entregou a vida
Ali na Sanga da Bica
Parece que ainda escuto
Na voz do próprio Sepé

Muito antes do massacre
No Arroio Caiboaté
Conheci felicidade
Com paz e fraternidade

Ao lado do povo meu
Na terra que nos gerou
Que Tupã abençoou
E o arcanjo Miguel nos deu

Sepé tomou mais um mate
Outra herança que seu povo deixou pra nós
E devolvendo-me a cuia
Continuou a narrativa
Contendo a emoção na voz

Era lindo nosso modo
De viver em sociedade
Cada um participava
Com sua possibilidade
E cada um recebia
Conforme a necessidade

Era uma terra sem males
Onde os órfãos e as viúvas
Viesse Sol, viessem chuvas
Tinham no Potiguaçu
Seu amparo e proteção
E a sua manutenção
Fruto de trabalho e fé
Vinha do Tupã Paé

Casa de Deus meu irmão
Plantar, colher, criar gado
Dividir com igualdade
Praticar a caridade
Viver comunhão cristã
Levantar cada manhã
Respirando liberdade
E rezar nos fins de tarde
Agradecendo a Tupã

O oposto do bem é o mal
E o mal bem de perto eu vi
O tratado de Madri
Entre Portugal e Espanha
Trouxe a guerra e sua sanha
Sede de mando, capricho
Pra quem gente é como bicho
Não tem rosto, nem vontade
Nem direito a liberdade
É escória, é cisco, é lixo

Criança fala com os santos
Na crença do índio cristão
E um piá da redução
Nos falou com voz de anjo
Eu vi São Miguel Arcanjo
Por sobre os campos andando
E mandou morrer peleando
Pra defender nosso chão
E disse: Esta terra é nossa
Esta terra é Guarani
Só Deus e Miguel Arcanjo
Podem nos tirar daqui

Foi por isso que lutei
E que lutando morri

Não morrestes Tiarajú
Vives no teu ideal
A batalha desigual
Da lança contra o canhão
Te levou a condição
De mártir, guerreiro e santo
Lugar que tens, te garanto
No altar do meu coração

Irmão de ideal e crença
Escuta este meu pedido
Pelos pobres e excluídos
Relegados no abandono
Acorda deste teu sono
Brande a lança novamente
E vem gritar com tua gente
Que esta terra tem dono
Que esta terra tem dono
Que esta terra tem dono

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