Montado na saudade
Eu já nasci de a cavalo seu moço, naquele mundo
Que só existe na história dos velhos, fundão de fundo
De lá que eu trago este causo, seu moço, porque é verdade
Que vez por outra me pego montado nesta saudade
Era no tempo das tropas de maio, cada boiada
Que se apartava da flor dos rodeios das invernadas
Daquela feita nós vinha no rumo duma charqueada
Com uma ponta de bois e turunos de aspa virada
Naquele tempo a valença dum homem era seu braço
Sua tropilha, seu par de cachorros, seu poncho e laço
Eu era um taura de boa coragem e respeitado
Por bom de corda, mas, principalmente, por bem montado
Tinha um tostado que nessas fronteiras, era afamado
Não teve boi que pisasse na frente, do meu tostado
Quem é da lida conhece o valor que se dá prum pingo
Naquela vida quem tinha um cavalo tinha um amigo
Mas como eu vinha contando seu moço, tinha chovido
Quando chegamos no passo do arroio, tava crescido
Toda a prudência mandava esperar pela vazante
E o capataz decidiu que a jornada seguisse adiante
Então mandou que eu largasse na frente, puxando a ponta
E eu atraquei meu tostado na enchente sem fazer conta
Os culatreiros apertaram a tropa contra a barranca
E o gadario se atirou na crescente, batendo guampa
É nessa hora de cada vivente, que a vida ensina
Que a morte mora mais perto da gente que se imagina
Um boi salino alçou alcançou meu cavalo e meteu a aspa
Entre a bombacha e a aba do basto, e me atirou n'água
O meu tostado nadou mais um pouco, e sentiu minha falta
Deu meia volta à procura do dono, cortando água
Peguei na cola do pingo e nos fomos corrente abaixo
Até que o rio nos atirou campo fora, num despraiado
Aqueles tempos se foram, seu moço, tudo é passado
Levaram junto as tropilhas e as tropas, e o meu tostado
Por isso os olhos molhados, seu moço, porque é verdade
Que vez por outra me pego montado nesta saudade