O Palhaço E O Ministro
Do que espanta um surdo-mudo
Dos jardins além do muro
Venho aqui pra vos contar
Dentro de uma catarata
Num palácio de ouro e prata
Ouço alguém a soluçar
É um reizinho tão tristonho
Um menino com maus sonhos
Sem ninguém para o aconchegar
Sua mãe caiu a um poço
E o rei-pai num calabouço
Ninguém os pôde salvar
É agora o ministro
Tão sisudo e bem sinistro
Que no reino vai mandar
O pequeno rei só chora
Junta as mãos e ao céu implora
Para um raio o fulminar
Quem ajuda o nosso rei?
Quem ajuda o nosso rei?
Nunca mais foi visto a rir
Diz o povo a chorar
Quem nos pode acudir?
Salvem o nosso rei!
Chegam magos, alquimistas
Mais médicos, dentistas
A ver se o tentam curar
Mas o rei não tuge ou muge
Está verdinho como musgo
No seu leito a vegetar
O ministro furibundo
Manda arautos pelo mundo
Pra uma cura encontrar
E com a mão na guilhotina
Diz que vai cortar a espinha
Àquele que fracassar
Muitos sábios vão chegando
E as cabeças vão rolando
Até um homem falar
De pêlo e nariz postiço
Anuncia ao ministro:
— Talvez eu o possa curar
O palhaço cura o rei!
O palhaço cura o rei!
Diz a corte inteira a rir
Diz o povo a chorar
Quem nos pode acudir?
Salvem o nosso rei!
O palhaço pula e dança
Estica, fura e explode a pança
Faz mil truques de encantar
Ele transforma o vinho em água
Faz esparguete de uma tábua
E flutua pelo ar
Mas o rei quieto e mudo
Amarelo e macambúzio
Mal parece existir
E o palhaço sem maneiras
Tira a penca e cabeleiras
Pra o ministro as vestir
Eis que o grande carrancudo
Com a penca e cabeludo
Fica lindo de morrer
E o rei dá tal gargalhada
Qual canhão ou trovoada
Que o palácio faz tremer
Ele salvou o nosso rei!
Ele salvou o nosso rei!
Olhem só pra ele rir
Diz o povo a aclamar
O palhaço é o seu vizir
Viva o nosso rei!
O ministro pró palhaço
Diz: ó meu amigalhaço
Não quer ser meu professor?
Sempre quis ser divertido
E farei de si grão-fino
Se aceitar ser meu tutor
Mas o outro diz: amigo
Da onça eu não preciso
Nem do ouro que roubou
Ser palhaço é um castigo
Não se ensina tal destino
A quem o rei-pai matou
E o ministro com o cacete
Logo aponta o gasganete
Com caretas de rancor
Num segundo a guilhotina
Corta o palhaço em tiras
E o rei cai num estupor
Quem ajuda o nosso rei?
Quem ajuda o nosso rei?
Nunca mais foi visto a rir
Diz o povo a chorar
Quem nos pode acudir?
Salvem o nosso rei!