Trentina

Celso Adolfo

Rovereto, Ouro Preto, um camim, meio do mato
Piedade, o capim, nove horas tem missa
cadê seu missal, Zizinha, Joaquim?

Já vai dar seis horas, a mesa tá posta
Virgílio aponta a beleza da encosta
e na gente a imensa paixão

Castelos, assombros e mais estações
troféus de caçada, muro, monções
'que alma no mundo é sem senões?'*

O olhar de Sofia
nem imagina, nem desconfia
quanto ela provocou da minha frágil paixão

Dudu, seu irmão, menino de colo
eu sei, foi Apolo o deus que lhes deu
esse olhar claro e quente que me ganhou

Um lobo saiu do Caraça
e passa voando tirando um fino
o meu coração trentino é um cafarnaum

Admirei maçãs no caminho do Castelo Thun
aonde eu cantei mais tranqüilo
e sereno do que pensei

Vi a fôrma da hóstia que o bispo benzeu
a cisterna, a uva, a memória no breu
telhado e telhas que a chuva torceu

Falaram de um verso latino que é feito
de um espondeu e dois coriambos
e um jambo que o tempo colheu e comeu

Vê-se que o tempo ali desistiu
sob tábuas, túneis, tonéis e barril
fundição, mulheres, véus e funil

Passei a ponte, subi a torre
do Castelo Thun, pensei minha vida
eu era sozinho, eu era nenhum

A capela, o século quase comeu
umas pedras, o século treze engoliu
tinha gente que o século não demoliu

Era eu na janela com olhar de jejum
eu e Gilson e Beppo, Antonello e mais um
era nós e Francisco no Castelo Thun.

* Do poema "Castelos, estações" de Rimbaud.

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