Ao Relento

Gonçalves Dias

No centro da taba se estende um terreiro
Onde ora se aduna o concílio guerreiro
Da tribo senhora, das tribos servis
Em fundos vasos d'alvacenta argila Ferve o cauim
Enchem-se as copas, o prazer começa
Reina o festim

O prisioneiro, cuja morte anseiam
Sentado está
O prisioneiro, que outro Sol no ocaso
Jamais verá!

A dura corda, que lhe enlaça o colo
Mostra-lhe o fim
Da vida escura, que será mais breve
Do que o festim!

Contudo os olhos d'ignóbil pranto
Secos estão
Mudos os lábios não descerram queixas
Do coração

Mas um martírio, que encobrir não pode
Em rugas faz
A mentirosa placidez do rosto
Na fronte audaz!

Que tens, guerreiro? Que temor te assalta
No passo horrendo?
Honra das tabas que nascer te viram
Folga morrendo

Folga morrendo; porque além dos Andes
Revive o forte
Que soube ufano contrastar os medos
Da fria morte
Rasteira grama, exposta ao Sol, à chuva
Lá murcha

Meu canto de morte
Guerreiros, ouvi
Sou filho das selvas
Nas selvas cresci

Guerreiros, descendo
Da tribo tupi
Da tribo pujante
Que agora anda errante
Por fado inconstante

Guerreiros, nasci
Sou bravo, sou forte
Sou filho do Norte
Meu canto de morte
Guerreiros, ouvi

Já vi cruas brigas
De tribos inimigas
E as duras fadigas
Da guerra provei

Nas ondas mendaces
Senti pelas faces
Os silvos fugaces
Dos ventos que amei

Andei longes terras
Lidei cruas guerras
Vaguei pelas serras
Dos vis Aimoréis

Vi lutas de bravos
Vi fortes - escravos!
De estranhos ignavos
Calcados aos pés

E os campos talados
E os arcos quebrados
E os piagas coitados
Já sem maracás

E os meigos cantores
Servindo a senhores
Que vinham traidores
Com mostras de paz

Aos golpes do imigo
Meu último amigo
Sem lar, sem abrigo
Caiu junto a mi!

Com plácido rosto
Sereno e composto
O acerbo desgosto
Comigo sofri

Não vil, não ignavo
Mas forte, mas bravo
Guerreiros, não coro
Do pranto que choro
Se a vida deploro
Também sei morrer

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