Urbanus
Saio louco, sem destino, procurando o que fazer
Pelas ruas um menino pede algo pra comer
Aceito um vale transporte, eu moro no Laranjal
Me disse assim sorrindo, segurando um jornal
Minha mãe chama Maria, o meu pai é o seu João
Minha irmã é Esperança, meu irmão Sebastião
Eu nasci em Pedro Osório e morei na capital
Pequeno vim pra Pelotas, numa noite temporal
Me perdi pela cidade e conheci sabe Deus quem
Até um louco vagabundo que dizia que era rei
Andei por muitos lugares, provei coisas que eu nem sei
Já roubei e já fui roubado, mas nunca matei ninguém
Dormi em escadas de igrejas, senti medo e passei frio
Certo dia pela rua, reconheci o meu tio
Mais velho que a minha mãe, castelhano e camelô
Contou que o meu primo Celestino, se casou
Se formou em medicina e mudou-se pra Bahia
Dá aulas de capoeira, manda cartas e fotografias
Disse que devia uns caras e que sempre se escondia
Despediu-se com um adeus
Mande beijos a Maria
Moço desculpe o meu jeito, fui contando minha vida
E nem mesmo me apresentei, sou João Santos da Silva
Dei-lhe um aperto de mãos, prazer, me chamo Rodrigo,
Tenho um filho da tua idade, mas ele não mora comigo
Estava indo visitá-lo quando você me parou
Agora não tenho pressa o meu ônibus já passou
Pegue o troco da passagem e compre algo pra comer,
O que você faz tão longe?
Moço eu vou lhe dizer:
- Cuido carros nessa rua, faço mala bares nos sinais,
Conto piadas e poesias, vendo balas e jornais
Acontece que eu queria, ir pra escola e estudar
Ter calçados, roupas limpas e um dia me formar
Minha mãe diz que eu sou burro
Junto lata o dia inteiro
O meu pai vive bebendo e chorando no banheiro
Mais um dia isso muda, pior não pode ficar
Moço, muito obrigado, por parar e me ajudar
Via naquele menino, um brilho em seu olhar
Não havia rebeldia no seu jeito de falar
Um anjo de carne e osso, me parou pra conversar
Em meio a gritos de um velho que vendia ervas de chá
Trinta segundos perdidos em um sinal fechado
Um artista, um menino, faz da rua o seu palco
Um cigarro a menos por um sonho guardado
Um homem cego comprando ouro
Até parece uma piada
Um couver de Elvis, cuspindo fogo
No mínimo uma coisa inusitada
Um mendigo sem calças que faz caretas pras pessoas na calçada
Somos urbanos sem respostas certas
Pras nossas perguntas erradas